terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O paradoxo Estamira



Aqueles que ainda não assistiram ao documentário "Estamira" devem escolher um dia calmo para, sem muita pressa, permitir aos olhos e à mente alguns momentos de êxtase poético captados pelo diretor Marcos Prado.

Não falarei aqui da sinopse do filme. E prazeres subjetivos à parte, fica a pergunta: Estamira continua trabalhando no lixão???

Lixão e aterro sanitário nem de longe são sinônimos. Nos idos tempos de 1992 quando, no ensino médio, resolvi estudar Saneamento no CEFET-MG o inesquecível professor Telson Crespo fazia questão de pontuar esta diferença. No aterro sanitário a deposição dos resíduos sólidos urbanos é realizada em células biodigestoras que permitem a decomposição natural dos materiais com relativo controle dos gases e líquidos (chorume) produzidos. Reduz-se o problema.

Pois bem, que fique registrado que o que vi mais se assemelha a um lixão, aquilo não é um aterro. Digo isto menos pela preocupação ambiental e mais pela social.

Isto porque enquanto nos deliciamos com as metáforas que naturalmente defluem do caudaloso encontro de um cenário tétrico e monumental com uma personagem louca, Estamira segue padecendo em um muito bem enredado problema sócio-jurídico-ambiental-assistencial.

Pouparei a todos da explicação dos aspectos sociais, jurídicos, ambientais e assistenciais a que me referi e me bastarei na exposição de apenas uma faceta do problema. Chamarei-o de "paradoxo Estamira".

Estamira é louca. Também sou, mas vou considerar que o fato dela ter merecido ser protagonista do documentário seja indicativo de que o grau se seu transtorno possa ser maior do que o meu. Dirão meus detratores que me engano neste particular. Mas é que Estamira, portadora de necessidades especiais, fas jus a serviços públicos próprios pois vivemos em um Estado Social Democrático de Direito. Não é que ela não foi ajudada, o Estado descumpriu seu direito. Como Estamira é louca mas não é boba, descolou um trabalho pois, caso contrário, morreria de fome. Imagine então que este trabalho constitui-se numa segunda violação aos direitos de Estamira. Sobrevivendo de seu trabalho Estamira diz amar o que faz. Mas ocorre que este trabalho depende da manutenção de um grande problema sócio-ambiental: a catação de lixo tacitamente autorizada pelo Estado (Município) em seu imóvel e empreendida por nossa personagem e dezenas de colegas.

Pois bem, o paradoxo é o seguinte: se o Estado resolve o problema ambiental, que será de Estamira sem seu lixão? Se lhe arranjam outro emprego, que será de Estamira sem a rotina com a que se adaptou? Se lhe dão um Benefício de Prestação Continuada, de um salário mínimo, que será de Estamira sem o que fazer durante o dia? Afinal, se a colocam num hospício, que será de nossa moral sem Estamira?

Um comentário:

Maria Duda disse...

professor Telson...gente boa...me deu uma prova valendo 15 pontos aff,